Na Venezuela, cidadãos lamentam a morte de entes queridos e da democracia
Após eleições conturbadas, o líder autoritário Nicolás Maduro se declarou vencedor e ordenou repressão aos dissidentes
Internacional|Julie Turkewitz, do The New York Times

Jeison Gabriel España saiu de casa, em 28 de julho, para a primeira – e última – eleição de sua vida tão breve. Um dia depois de votar para presidente no pleito que uniu milhões de venezuelanos em um pedido de mudança, o rapaz de 18 anos foi morto a tiros na rua.
Veja também
O líder autoritário do país, Nicolás Maduro, primeiro se declarou vencedor, apesar da montanha de provas da vitória do candidato da oposição; depois, ordenou às forças de segurança que reprimissem os dissidentes.
“Por que mataram meu menino?”, soluçava a tia de España, que o criou, durante o enterro.
No momento, a Venezuela está de luto não só pelas 24 pessoas mortas em meio à violência das manifestações, mas também pelos últimos fiapos de democracia há muito vilipendiada. Os pequenos espaços que ainda existiam para a resistência estão sumindo de um dia para o outro, se não de uma hora para a outra, com o presidente enfurecido massacrando o eleitorado que tentou desbancá-lo.
Durante muitos anos, as famílias venezuelanas separadas pela imigração acreditaram que um dia voltariam a se reunir em uma nação melhorada, mesmo que não integralmente democrática, mas depois da última eleição muitos enterraram esse ideal. “Jamais voltarei. A Venezuela virou meu pior pesadelo”, disse uma cientista de dados que mora no Chile, pedindo que seu nome não fosse publicado porque sua mãe e outros parentes continuam em sua terra natal.

Na capital, Caracas, a polícia montou postos de verificação para checar celulares, à procura de qualquer sinal de dissidência. As casas de supostos eleitores da oposição começaram a ser marcadas com um “x” em tinta preta. As forças de segurança têm ordens de deter qualquer um até pelo menor sinal de descontentamento.
Antes, eram apenas os ativistas que corriam risco de prisão, mas mais de 1.400 pessoas foram detidas nas últimas semanas, de acordo com o grupo de fiscalização Penal Forum. Destas, a maioria é gente comum, e mais de cem são menores de idade. As autoridades estão cancelando o aporte de ativistas de direitos humanos e outros, impedindo-os de sair do país. Muitos jornalistas, depois de receber avisos de que estão sendo vigiados pela espionagem oficial, começaram a fugir.
Em 17 de agosto, no estado de Zulia, membros da Guarda Nacional saíram levando um padre na frente da congregação. “Cristo, príncipe da paz!”, cantavam os fiéis, ajoelhados, enquanto ele desaparecia de vista. Durante muito tempo, o governo evitou prender figuras religiosas.
Os líderes da oposição, Edmundo González e María Corina Machado, tentam manter um clima de otimismo. Embora as aparições públicas de ambos tenham sido raras desde as eleições, eles não foram detidos.
Nesse mesmo dia, como parte do movimento de apoio global, centenas de pessoas se reuniram em Caracas, apesar do destacamento de milhares de policiais pela cidade. “Não temos medo!”, gritavam os manifestantes, muitos exibindo cópias das atas de votação geradas pelos equipamentos oficiais.
Últimas