:root { --editorial-color: #556373; } body { writing-mode: horizontal-tb; font-family: var(--font-family-primary, sans-serif), sans-serif; }
Logo R7.com
Logo do PlayPlus

‘Estilo kamikaze’: a tática norte-coreana na guerra da Rússia contra a Ucrânia

No fim de 2024, a Coreia do Norte enviou cerca de 11 mil soldados para ajudar as forças de Moscou; os norte-coreanos foram treinados para não serem detidos com vida

Internacional|Marc Santora e Helene Cooper, do The New York Times

Soldados norte-coreanos recebem instruções de atacar uma área específica, e avançam sem o apoio de veículos blindados Finbarr O'Reilly/The New York Times

Sumy, Ucrânia – Como os soldados russos, os norte-coreanos que estão lutando por Moscou na região de Kursk recebem instruções de atacar uma área específica, mas, ao contrário dos nativos, têm de avançar praticamente sem o apoio de veículos blindados.

Ao atacar, não param para se reagrupar ou recuar como os parceiros locais normalmente fazem quando começam a ter muitos prejuízos, segundo militares ucranianos e oficiais norte-americanos; em vez disso, atravessam os campos coalhados de minas terrestres, mesmo sob fogo cerrado, e saem em levas de 40 ou mais. Se conquistam uma posição, não tentam mantê-la; preferem deixar para os reforços russos enquanto se retiram e se preparam para uma nova investida.

Além disso, desenvolveram táticas e hábitos peculiares: ao combater um drone, enviam um soldado como “isca”, de modo a permitir que os outros o derrubem. Se acabam se ferindo gravemente, são instruídos a detonar uma granada para evitar que sejam capturados com vida, segurando-a sob o pescoço, com uma das mãos no pino, aguardando a aproximação do inimigo.

Enviados para a Rússia para lutar ao lado das unidades moscovitas em Kursk, os norte-coreanos atuam basicamente como uma força de combate separada, de acordo com os ucranianos e norte-americanos, já que a língua, o treinamento e a cultura militar são totalmente diferentes. “São dois Exércitos diversos, que nunca treinaram nem atuaram juntos; de resto, tem a cultura militar russa que, vamos dizer, não respeita muito as habilidades, as normas e as operações dos parceiros. Na grande maioria, os norte-coreanos são tropas de forças especiais, treinados para missões de alta precisão, mas os russos os estão usando como soldados rasos”, explicou Celeste A. Wallander, que até o dia da posse (20 de janeiro) era a secretária assistente do Pentágono para questões internacionais de segurança.


No fim do ano ado, a Coreia do Norte enviou cerca de 11 mil soldados para ajudar as forças de Moscou na zona meridional de Kursk, da qual os ucranianos capturaram uma fatia graças à invasão surpresa efetuada meses antes. Mas, como revelam os ucranianos e norte-americanos, desde o primeiro combate de que participaram, no início de dezembro, mais de 30% dos norte-coreanos já foram mortos ou feridos. De fato, em meados de janeiro, o general Oleksandr Syrsky, chefe do Exército ucraniano, anunciou que a tendência continuava, mas advertiu: “Eles são corajosos, muito bem-treinados e estão extremamente motivados.” Um oficial da defesa norte-americana garantiu que novos reforços chegarão “nos próximos dois meses”.

A reportagem falou com dezenas de militares ucranianos engajados no combate direto e com analistas e autoridades da defesa dos EUA para mostrar como os norte-coreanos se comportam no campo de batalha. Além disso, assistiu também a vários vídeos de suas investidas fornecidos pela Ucrânia. Os primeiros pediram que fossem identificados apenas pelo primeiro nome, de acordo com o protocolo militar; já os segundos pediram anonimato para poder falar livremente sobre os detalhes.


Com 1,2 milhão de homens, o Exército da Coreia do Norte está entre os maiores do mundo, e sua entrada intensifica enormemente uma guerra que se desenrola há quase três anos. Mas, mesmo antes disso, o país já era um dos maiores apoiadores do conflito – tanto que enviou a Moscou um volume estratosférico de munição e artilharia, que hoje corresponde à metade do que os russos usam no dia a dia, e mais de cem mísseis balísticos de curto alcance, segundo agentes da inteligência ocidentais e ucranianos.

O Kremlin nega o uso do reforço estrangeiro, e está tomando providências para esconder esse envolvimento. Um bom exemplo disso é a emissão do que um funcionário do Pentágono descreveu como “miudezas de bolso”, ou seja, a documentação que os registra como sendo nativos da região do Extremo Oriente do país. O próprio Volodimir Zelensky afirmou que um dos soldados capturados por seus homens se identificava como residente em Tuva, no sul da Sibéria – ou seja, apesar de falso, o documento usa informações de um cidadão russo de verdade. Entretanto, não pudemos verificar de forma independente as denúncias sobre a tentativa de acobertar essa participação.


Embora os norte-coreanos reforcem os números, o fato é que os russos têm se esforçado para integrá-los à luta. As dificuldades vão de detalhes triviais como encontrar uniforme que lhes sirva (pois são bem menores) a problemas de comunicação que pelo menos em duas ocasiões levaram a um confronto direto entre ambos por causa de erro de identificação. Segundo os ucranianos, os russos estão tomando providências para tentar resolver o problema, mas ainda não conseguiram formar uma força coesa. “Agora começaram a criar grupos que incluem um tradutor ou alguém que fale russo, e munido de rádio, mas não são lá muito eficientes”, afirmou o comandante Andrii.

Usando o vídeo feito pela câmera de um drone, ele descreveu um ataque logo depois de ter sido executado, no início de janeiro, para demonstrar como funcionam as táticas asiáticas. Vistos por imagens térmicas, os norte-coreanos se destacavam como pontinhos escuros nos campos brancos de neve. Caminharam cerca de oito quilômetros – sendo que muitos foram mortos no caminho – e se agruparam perto de uma fileira de árvores para atacar uma trincheira inimiga que se encontrava ali perto. Segundo Andrii, eram cerca de 50. As imagens mostravam que havia feridos, mas o grupo não recuou, preferindo esperar reforços para depois atacar. Cada equipe é composta de cinco a oito homens. “Estão sofrendo muitas baixas, mas continuam mandando novas unidades, que continuam indo em frente. É uma questão de motivação, acatamento de ordens e muita disciplina.”

A tática de “brigada de choque”, com o avanço dos soldados sem muita preocupação com o caos com que vão se deparar, é parte intrínseca do treinamento e da filosofia do país. Adotada no período da Guerra da Coreia, a estratégia resultou em muitas mortes em um conflito que está sendo travado em campos abertos e planos, como apontam agentes da inteligência sul-coreanos. Apesar disso, consideram as baixas uma perda necessária para ganhar experiência no estilo bélico moderno. “A impressão é de que vieram especificamente para morrer, e sabem disso”, declarou o comandante de pelotão Oleksii.

Oficiais da inteligência ucraniana nos informaram que dois norte-coreanos capturados em nove de janeiro forneceram informações sobre os destacamentos em Kursk; as Forças de Operações Especiais divulgaram trechos de diversos diários e comunicações recolhidas dos mortos – que, segundo os militares norte-americanos, parecem autênticos.

Nos escritos, um deles confessou a motivação para lutar com os russos, o que o redimiria de uma transgressão não especificada. “Visto o uniforme da revolução para proteger o Comandante Supremo. Traí o Partido que confiou em mim e demonstrei ingratidão em relação ao Comandante Supremo. Os pecados que cometi são imperdoáveis, mas minha pátria me deu uma opção de remissão, uma oportunidade de recomeço.”

As táticas norte-coreanas forçaram os ucranianos a se adaptar durante a guerra Nanna Heitmann/The New York Times

Ele inclui também detalhes práticos, como técnicas para abater drones. “Enquanto o que serve de isca fica a uma distância de sete metros, os que atiram se mantêm entre dez e 12. Quando o chamariz para, o drone também para – e é aí que os outros o derrubam.”

As táticas norte-coreanas forçaram os ucranianos a se adaptar. Os pilotos de drones, por exemplo, revelaram que não miram um único indivíduo; preferem alvejar grupos inteiros. E, uma vez que os ataques norte-coreanos são densos, o procedimento padrão de instalação de minas a um intervalo de 15 metros não é muito eficiente. Assim, estão tentando não deixar mais do que cinco metros entre uma e outra.

Um detalhe interessante, segundo os ucranianos, é que, ao contrário dos russos, os asiáticos tentam retirar os mortos e feridos do campo de batalha. Andrii mostrou um vídeo desse processo, onde se vê que são puxados pelos braços ou colocados em trenós, e imediatamente substituídos. Suas forças incluem cerca de 500 oficiais e pelo menos três generais, sendo que estes últimos se encontram nos quartéis-generais de comando e controle russos, onde se decidem os objetivos, a necessidade de mais artilharia e o tempo de espera para a execução de manobras. Estão sincronizados com as tropas em campo, de modo que não há necessidade de falar com os russos, em uma tentativa de reduzir os problemas de comunicação.

Os ucranianos em Kursk itiram que a estratégia dos norte-coreanos é onerosa, mas eficiente. “Eles estão começando a pressionar as linhas de frente, mirando as áreas com menos defesa e, com isso, exaurindo nossos homens. Combater um dos maiores Exércitos do mundo já era complicado, mas dois é quase impossível”, confessou Oleksii.

A captura dos presos também é difícil, porque os norte-coreanos foram treinados para não serem detidos com vida, e os operadores de drone russos estavam sempre de olho. “Se veem um coreano sendo pego, usam o equipamento para acabar com ele – de quebra, matando nossos soldados também. Teve gente da minha brigada que morreu assim”, prosseguiu.

Os ucranianos afirmaram que os norte-coreanos não devem ser subestimados. “Eles estão sendo testados. Não tinham experiência de combate, mas vieram aqui para isso, e estão se fortalecendo cada vez mais”, concluiu Andrii.

c. 2025 The New York Times Company

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.