Jambu no drink, na pele e no prazer: a planta amazônica que move a bioeconomia
De Belém a Miami, empreendedores transformam o jambu em inovação sensorial e motor de desenvolvimento sustentável
Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília

O jambu é uma planta herbácea típica da região amazônica, conhecida por suas propriedades que provocam sensação de formigamento e leve anestesia ao ser consumida. Muito além do uso culinário tradicional, ele tem se tornado um símbolo de inovação e empreendedorismo sustentável na Amazônia.
É o caso de Tatiana Sinimbu, arquiteta paraense que viu na planta uma chance de recomeçar, e de Leandro Daher, empresário que criou um gin premiado à base de jambu. Ambos são exemplos de como a biodiversidade pode gerar negócios de impacto e alcance internacional.
Segundo a ABBI (Associação Brasileira de Bioinovação), o uso sustentável da biodiversidade e da biotecnologia no Brasil pode gerar até US$ 284 bilhões em faturamento industrial adicional até 2050. No entanto, o país ainda enfrenta gargalos como a falta de investimento e infraestrutura para transformar esse potencial em realidade.
Ao longo de um mês, o R7 ouviu empreendedores que atuam diretamente com a biodiversidade de diferentes biomas brasileiros. Esta reportagem faz parte da série Bioeconomia em Cada Bioma Brasileiro e mostra como estratégia, inovação e conexão com o território podem transformar negócios e realidades.
Da arquitetura ao jambu: uma virada de chave na floresta
Tatiana Sinimbu, 48 anos, moradora de Belém (PA), é arquiteta de formação e viu sua rotina profissional mudar após a crise no setor da construção civil. “Há nove anos [o mercado] teve várias crises e muitas construtoras quebraram”, lembra. Com menos oportunidades na área, ela começou a buscar novos caminhos.

Naquele período, amigos estrangeiros pediam que ela enviasse jambu para fora do país. A demanda acendeu uma ideia: por que não transformar a planta em um produto de valor agregado? Foi assim que nasceu a primeira conserva de flor de jambu — similar às conservas de picles ou azeitona.
“Dessa forma, qualquer pessoa teria um jambu gastronomicamente. Como em um drink, em vez da azeitona, colocar a flor de jambu”, explica.

O negócio cresceu, e Tatiana decidiu ampliar a linha de produtos e assumir a missão de tornar o jambu conhecido no mundo. Ela fundou a marca Jambu Sinimbu e mergulhou de cabeça no empreendedorismo.
“Achava que sabia o que era amar a arquitetura, mas só encontrei o amor de verdade empreendendo com o jambu”, diz.
Tatiana também se tornou uma defensora da sustentabilidade. Desenvolveu embalagens com menor impacto ambiental e ou a valorizar ainda mais a cadeia produtiva. “Sem as pessoas que trabalham na terra, meu produto não existiria. A sabedoria popular e a ancestralidade são muito importantes, afirma.
Ela chama atenção para o uso da Amazônia como marca, sem contrapartida real para a floresta. “As pessoas falam muito da Amazônia, mas não devolvem nada a ela. É preciso buscar a procedência [dos produtos[ e saber se há uma contribuição concreta.”
Entre os itens oferecidos por Tatiana, estão bebidas e extratos naturais. Um deles, o “Tremidão” — um extrato concentrado da flor de jambu — acabou surpreendendo: além de seu uso gastronômico, ou a ser procurado por suas propriedades sensoriais e afrodisíacas.
“Queria que a pessoa tivesse a sensação do jambu em qualquer drink, mas o extrato funcionou muito bem sexualmente, potencializando experiências sensoriais únicas.”
Gin com sabor de floresta: a história da AMZ Tropical

No caso de Leandro Daher, o caminho foi parecido. Fundador da AMZ Tropical, ele criou o primeiro gin de jambu com identidade amazônica — e hoje exporta para Miami. “A ideia era levar os sabores da Amazônia para o mundo, com personalidade, cor e orgulho de ser brasileiro”, conta.
Inicialmente, o plano era montar uma destilaria de cachaça com o sogro, que é mineiro e apaixonado pela bebida. “Chegamos a plantar cana-de-açúcar, mas a pandemia esfriou o projeto”, lembra. Foi nesse período que Leandro teve a ideia de usar o jambu como ingrediente principal em um gin.
“O gin me deu liberdade para inovar e contar uma nova história. E deu certo. Em 2024, conquistamos o segundo lugar no World Gin Awards, em Londres. Foi um marco. Nunca antes a Amazônia tinha obtido tal reconhecimento”, comemora.

A empresa mantém a produção enraizada no Pará, com filial em São Paulo e presença nos Estados Unidos. Toda a matéria-prima é comprada diretamente de duas famílias de agricultores em Castanhal, no interior paraense.
A sustentabilidade é um compromisso da marca, que desenvolveu, por exemplo, refis de gin em latas de alumínio, um material com alto índice de reciclagem.
Apesar das conquistas, Leandro aponta os desafios: logística complexa, falta de incentivos, ausência de crédito adaptado e pouca visibilidade para marcas da região. “Tem muita gente inovando por aqui, mas ainda faltam políticas públicas específicas.”
Além do gin de jambu, este ano o Gin de Castanha-do-Pará da AMZ Tropical também foi premiado no New Spirits Awards 2025. “Mais do que uma medalha, esse prêmio celebra a Amazônia com sofisticação e mostra que é possível competir em alto nível, com ingredientes nativos, respeito ao meio ambiente e muito orgulho das nossas raízes”, diz.
‘Prosperar sem destruir’
Além de empreendedores individuais, algumas instituições atuam para fortalecer o ecossistema da bioeconomia na Amazônia. É o caso da Assobio (Associação dos Negócios de Sócio-bioeconomia da Amazônia), que já contribuiu para preservar 50 mil hectares de floresta.
Segundo o presidente, Paulo Monteiro dos Reis, os 75 empreendimentos ligados à associação geram cerca de R$ 10 milhões por ano e 600 empregos diretos. A proposta é clara: usar os recursos naturais de forma racional, sustentável e conectada ao conhecimento ancestral.
“Falar sobre bioeconomia na Amazônia é reconhecer a floresta como um ativo econômico, ambiental e cultural. É evidenciar que existe uma forma de prosperar sem destruir. Para a Assobio, a sócio-bioeconomia é mais do que uma alternativa: é uma necessidade urgente para a construção de um futuro sustentável.”
A associação aposta agora em métricas de impacto socioambiental, e atua como ponte entre pequenos negócios e o mercado. O objetivo é criar uma economia regenerativa, baseada na colaboração e na valorização dos territórios.
Em pouco mais de um ano, o número de associados triplicou, com expectativa de alcançar 100 negócios ainda em 2025, conta Monteiro.
Ainda assim, os obstáculos são muitos: alta carga tributária (cerca de 19%), logística limitada e ausência de linhas de crédito específicas para empreendedores sustentáveis. Segundo ele, é preciso um novo ecossistema econômico, com equidade e respeito aos saberes locais.
“Fortalecer essa rede é essencial para superar os entraves históricos que impedem a valorização plena da Amazônia”, diz.
Para Monteiro, o desenvolvimento sustentável da Amazônia depende de quatro frentes principais:
- Políticas públicas específicas;
- Incentivo fiscal compatível com o setor;
- Financiamento adaptado à realidade local;
- Valorização das marcas nascidas na floresta.
“O lucro precisa caminhar com o impacto positivo. O crescimento deve refletir diversidade, regeneração e justiça social”, conclui.
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